domingo, 1 de março de 2009

Era uma vez...


(Foto de Serenidade)


"Era uma vez um anão que teve três filhos: O Becas, o Bicas e o Bocas. Este último era tão pequeno, tão pequeno que casou e foi viver dentro de um sapato nº 32."

Um dia, igual a um outro qualquer, com a particularidade de se tornar diferente, Bocas enveredou numa viagem estranha. Estava deitado, junto com sua linda esposa, quando começou a ser chamado. Achou deveras estranho a voz de sua avó, que havia partido para outras paragens há cerca de doze anos, estar tão presente, tão clara. Não, não poderia ser um sonho, afinal de contas era uma voz tão clara e viçosa, como aquela que em criança o retirava das suas brincadeiras para o almoço, o lanche ou o jantar! A saudade que a voz lhe causou, actuou de tal forma no seu raciocínio que acabou por lhe causar amnésia, esqueceu que ela já não estaria entre eles e começou a caminhar no sentido de procurar essa voz que, a cada passo dado, mais próxima, mais clara e mais meiga se evidenciava. A certa altura deparou-se com uma luz resplandecente e, por entre esses raios luminosos que ofuscavam a sua visão, conseguiu vislumbrar vários vultos, todos eles com vestes brancas tão cintilantes que quase se tornavam transparentes. O seu olhar cruzou-se com um desses seres de luz e, mesmo estando o seu olhar ofuscado com tanta luminosidade, sentiu que…sim era sua linda e adorada avó que o tinha encaminhado até aquele local. A emoção era de tal ordem que as lágrimas começaram a correr pela sua suave face, como um riacho que flui, calmamente, sem nenhum obstáculo. A sua avó sorria, aquele sorriso que ele tão bem conhecia, abrindo-lhe os braços na ânsia de o abraçar. Sem mais esperar Bocas, correu e abraçou-a intensamente. Nesse momento sentiu como que se estivesse a fundir com o ser luminoso que abraçava, preenchendo-se com uma paz que nunca havia sentido, mesmo que a sua vida tenha sido sempre bastante serena. Seguidamente, de mãos dadas, começaram a rodopiar. Rodopiavam e sorriam, tal como faziam em tempos passados. Mas! Seria mesmo em tempos passado?! Era tudo tão real e presente, que lhe dava a sensação de ter feito uma viagem no tempo. Uma viagem ao passado, com a singularidade de estar num local tão belo que se assemelhava às descrições do paraíso. A certa altura, deparou-se com a serenidade dos restantes seres que os observavam, com um olhar de alegria pura, como se fossem as testemunhas da concretização de um sonho. Bocas parou e o seu olhar tornou-se sério e surpreso. Todos os presentes rodearam-no e deram as mãos formando um círculo. A luz começou a intensificar-se mais e mais, até que sentiu-se desmaiar. Não que as forças lhe faltassem, sentia sim uma explosão de bem-estar e fusão para com o todo que o fez ficar sem qualquer reacção, no seu pequeno corpo não habituado a tal frequência energética. Durante o seu desfalecimento sentiu-se descer, aliás sentiu que o levavam em braços até ao seu quarto, no sapato n.º 32, onde vislumbrou, nebulosamente, a sua esposa a dormir, tranquilamente. Quando sentiu que o haviam pousado, com cuidado, na sua macia cama, sorriu, mais uma vez, para o rosto que continuava a observar, a sua amável avó. Continuou a dormir e quando alvoreceu contou o sucedido à sua amorosa esposa que o inquiriu da veracidade do seu relato. Bocas insistiu: “Sim, estive nos braços da minha avó e foi tão bom voltar a senti-la, a ouvi-la.” Sua esposa encolheu os ombros e deixou-o a viajar nos seus próprios pensamentos.


Texto publicado no blog da amiga Cátia, como resposta ao seu desafio.